mercoledì, febbraio 22, 2006

A escrita mágica de Murakami




Acabei de reler o excelente (e nem preciso dizer recomendado) Caçando Carneiros, do cultuado escritor japonês Haruki Murakami , que é sem sombra de dúvida um dos melhores livros que li nos últimos anos . Se você busca encontrar alguma sensação de estranhamento por se tratar de um livro da cultura oriental, esqueça. Talvez o grande sucesso de Murakami resida justamente no fato de narrar o local, mas com uma visão globalizada, assim, ele obtém uma identificação com leitores do mundo todo Nesse universo impessoal, aparentemente desprovido da identidade cultural japonesa, Murakami conta histórias que ao mesmo tempo só poderiam se passar na terra do sol nascente. Paradoxo? Claro. Mas o que não é paradoxal na atualidade?
Além disso, Murakami tem um estilo único onde consegue reunir uma narrativa envolvente e ao mesmo tempo despreocupada , permeada por um discreto e inteligente senso de humor, que se mistura a um conteúdo reflexivo, muitas vezes de teor existencial , no qual reflete sobre a condição do homem moderno, o indivíduo solitário que habita a grande metrópole capitalista. Solidão, nostalgia, frustrações, sonhos e esperanças destruídos, o nonsense cotidiano, a obscuridade das instituições que administram e controlam as vidas dos cidadãos , as relações superficiais , o ritmo frenético e alienante que afasta cada vez mais as pessoas de sua própria identidade...Tudo isso se mistura a elementos sobrenaturais e à ficção científica .É a dura e fria realidade , mas temperada , uma realidade distendida , surreal talvez. O enredo, envolvente e labiríntico, se concentra na “caça” a um misterioso carneiro visto em uma foto e que ao que tudo indica usa humanos como hospedeiros para fins enigmáticos. E você acompanha essa “caçada” por lugares inóspitos que inclui a busca de um amigo perdido, um homem em pele de carneiro, alívio (ou não) a um velho hospedeiro, reviravoltas nos bastidores políticos e o sumiço de uma pessoa especial. Além é claro, de descobrir que encontrar as respostas nem sempre é a melhor alternativa...
E como uma coisa leva a outra, estou lendo (e quase terminando!) Dance Dance Dance , que é uma espécie de continuação de Caçando Carneiros. A mesma personagem surge três anos depois dos imprevisíveis eventos do livro anterior, dos quais não saiu ileso. Sem rumo, é um bom trabalhador, mas que não vê nenhuma paixão naquilo que faz.Se auto -denomina um limpa-neve cultural. Sua vida é vazia, monótona, sem esperanças e ambições. Em sonhos, repetidamente imagens do passado o perseguem: o hotel, a garota. Então, ele parte em busca de respostas que ele acredita estarem no hotel. Porém, para sua surpresa, o hotel não é mais do que era.
Novas personagens vão surgindo: uma adolescente sensitiva de 13 anos, uma fotógrafa desligada, um ator de sucesso, mas infeliz com sua vida; um poeta maneta, uma garota de programa, uma recepcionista de hotel neurótica .A elas, se junta o homem-carneiro que surge mais uma vez aconselhando a personagem a dançar: “DANCE, DANCE SEM PARAR . O MELHOR QUE PUDER". , mas sem garantias de que isso venha a trazer felicidade...E então, o que afinal ele quis dizer com isso??????
Todas as personagens parecem ligadas através de uma conexão caótica, necessária para que o personagem possa través dela iniciar sua busca e encontrar (ou não) a si mesmo.
Uma curiosidade desse livro é sua técnica narrativa. Parece haver uma espécie de meta texto, quase uma mensagem subliminar , que se dilui no texto através de palavras destacadas em caixa-lata ,que sozinhas aparentemente são sem sentido, mas que conectadas geram um novo texto onde presente, passado e futuro se misturam. Bem interressante, não lembro de ter lido nada que usasse uma técnica semelhante. Uma verdadeira caça -a -palavras para o leitor, que deve encontrar e unir as palavras (e até frases) em caixa-lata formando um novo texto.
E então? Ficaram curiosos?

Aí vão alguns trechinhos:

"Não tinha ânimo para nada. Muitas coisas aconteceram entre o outono e o inverno do ano passado. Divorciei-me. Ela foi embora sem dizer nada. Um amigo morreu em circunstâncias obscuras. Encontrei-me com pessoas esquisitas e vi-me às voltas com incidentes estranhos. Quando tudo passou, fui tomado por uma serenidade profunda e sombria nunca antes sentida. Em meu quarto pairava uma sensação de ausência tão densa que chegava a dar medo. Fiquei enclausurado nesse recinto inerte durante meio ano. Exceto para comprar o mínimo necessário, quase não saía durante o dia. Nas horas vazias do amanhecer, vagava pelas ruas. Quando o movimento começava a aumentar, voltava para o quarto e dormia." (p. 24-25)
"Não tinha nenhuma ambição nem esperança. Apenas ia arrematando sistematicamente, de ponta a ponta, tudo o que aparecia. Para ser franco, até cheguei a pensar se isso não seria uma vida desperdiçada. Mas, se até mesmo o papel e a tinta podiam ser desperdiçados, não havia razão para que eu ficasse me lamentando. Essa foi a conclusão a que cheguei. Nós vivemos numa sociedade altamente capitalista. Nela, o desperdício é a maior das virtudes. Os políticos chamam isso de requinte da demanda doméstica. Eu chamo de desperdício sem sentido. São divergências de pensamento. Apesar delas, a nossa realidade é indiscutivelmente assim. Os incomodados que se retirem para Bangladesh ou para o Sudão." (p. 31)

“Procuro uma casa com comida deliciosa, publico a matéria na revista e apresento-a a todos. Vá aqui. Experimente tal coisa. Mas qual a necessidade de se fazer isso? Não deveriam todos comer o que quisessem? Por que precisam da indicação de alguém até para achar um lugar para comer? Por que necessitam que alguém lhes ensine a escolher o menu? Sabe, as casas apresentadas nessas revistas vão decaindo no serviço e na qualidade à medida que ficam famosas. Isso acontece com oito ou nove entre dez, sabia? É porque se perde o equilíbrio entre oferta e procura. É isso que fazem as pessoas como eu. Cada vez que encontram algum lugar, vão destruindo-o com bastante esmero. Quando acham um branco puro, deixam-no todo sujo. As pessoas chamam isso de informação. A informação sofisticada nada mais é do que passar uma rede por todo o espaço do cotidiano sem deixar escapar nada. Estou cansado disso. Cansado de estar fazendo isso.” (p. 150)

“Aconteceram muitas coisas e surgiram novos personagens. Houve também muitas mudanças de cenário. Até outro dia, eu perambulava pelas ruas de Sapporo em meio à neve, e agora estava ali olhando o céu, deitado numa praia de Honolulu. Isso se chama ‘curso’ da vida. Fui ligando os pontos e tracei essa linha. Foi dançando conforme a música que cheguei até aqui. SERÁ QUE ESTOU DANÇANDO BEM? Comecei a recordar mentalmente todo o percurso dos acontecimentos e verifiquei, uma a uma, todas as minhas atitudes em relação a eles. Achei que não estava tão ruim. Poderia ter sido melhor, mas... Eu agiria da mesma forma se tivesse que passar por tudo novamente. Isso é o que chamamos de sistema. De qualquer modo, meus pés estão se movendo. Mantenho os passos... E agora estou aqui em Honolulu. Hora do intervalo.” (p. 297-298)

3 comentários:

Samara L. ha detto...

"Vida desperdiçada" é um conceito tão profundamente japonês... Quase Kawabata.
Bom, muito bom. Murakami, o post, tudo. Ele deixa a gente num estado dois degraus acima da vida de todos os dias, não?
Dá uma lida nisso aqui, vc também vai adorar:
http://www.newyorker.com/fiction/content/articles/060213fi_fiction
É simplesmente do caralho.

Desculpa aquele dia, mas não apenas a conexão caiu como o computador morreu por dois dias. Isso é uma recém-ressurreição.
Te adoro muito. Saudades.

Anonimo ha detto...

Putz, a resenha tá ótima!

Samara L. ha detto...

Imagina se você entendesse de literatura, hein, Rafa? ^_~