martedì, gennaio 10, 2012

Não só apenas travessuras


Com um atraso injustificável, acabo de ler Travesuras de la niña mala, cujo tema central é um amor que surge ainda na infância e que perdura durante 40 anos, que parece fadado a repetir sua desgraça nos quatro cantos do planeta.
O tempo de duração, espera e devotamento desse amor até pode até evocar os “cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites” que separaram Florentino Ariza de Fermina Daza na obra-prima em língua hispânica El amor en los tiempos del cólera, mas creio que as analogias,quando muito,param talvez por ai.
O destino ou o acaso faz com que os caminhos de Ricardo Socomurcio, o narrador, e Lily (ou Arlete, madame Robert Arnoux, Mrs. Richardson,Kuriko,Otilia, já que ela vai mudando de nome e de nacionalidade ao longa da narrativa) sempre se cruzem.
Aliás, se a vida de Ricardo Somocurcio, merecesse uma trilha sonora, acho que essa seria uma canção bem apropriada. Parece até inspirada em sua trajetória.


Ao seu amor inexplicável, obsessivo e “forçado” na opinião de muitos, não cabe uma linda canção de amor incondicional. Talvez um tango, daqueles bem sofridos, bem intensos, até que combinaria, isso se Ricardo e o seu criador fossem argentinos, claro. Só que estamos falando de dois peruanos. E um deles é o genial Mario Vargas Llosa, a quem tive o prazer de ver, ouvir, dirigir um cumprimento e pedir um autógrafo em 2010, quando esteve pelas pastos de .
No livro em questão, tem-se de um lado Ricardo, um homem estável, de hábitos simples, agarrado aos seus valores pequeno-burgueses, contentando-se com um bom, razoável e seguro emprego, tendo realizado a sua única ambição: viver em Paris. O típico “homem de bem” , por assim dizer. Mas também um tolo sentimental e um romântico incorrigível.
Do outro, está a chilenita ou peruanita ou ...Sabe-se lá!A eterna camaleona que muda de vida a todo instante de acordo com os seus objetivos e a cada novo e oportuno pretendente. Um verdadeiro furação tropical que entra e devasta tudo. Uma alpinista social, fria, calculista, sem escrúpulos.Capaz de se submeter aos mais sórdidos excessos, comprometendo sua sanidade física e emocional ao se entregar a homens dominadores, com personalidades conturbadas. Incapaz de se imaginar vivendo uma vida medíocre ao lado do estável , amoroso e devotado Ricardito, seu porto seguro, uma espécie de constante a quem recorre quando quer se divertir, quando está perdida ou fragilizada. Seria ela incapaz de amar? Se admitirmos que o amor possua infinitas facetas, acho possível afirmar que ela amava o amor de Ricardo por ela. E isso também pode ser uma espécie de amor.
E como conjugar interesses e personalidades tão distintas?Impossível? Não, porque Ricardo, além de nutrir uma paixão profunda (o que, por mais que eu não entenda, já bastaria para desobrigá-lo de qualquer outra razão...) incorpora a tolerância, a devoção, a compaixão quando o assunto é a niña mala.
O que é interessante é o fato de mesmo sendo Ricardo considerado um eterno romântico, inclinado à “breguices” como diria a personagem feminina, esta não era uma donzela idealizada, ele sabia dos riscos de deixá-la entrar na sua vida, consciente dos riscos de amar alguém sem nenhum escrúpulo. Afinal, as pessoas são o que são...E o pior é que ainda se ama, mesmo sabendo justamente disso.
Por isso, cada vez que ele telefonava para casa e ela não atendia, o primeiro pensamento era sempre de que ela fugira com outro homem, rico e socialmente mais interessante. Ele se dispunha sempre a correr riscos, ainda que soubesse que no fim, seria apenas ele a lamber as feridas desse amor profundo, irresistível, do qual ele não consegue se libertar, embora até tente.
É interessante notar que o niño bueno apenas a aceita como ela é, com todos os arrasadores defeitos, buscando justificar a sua personalidade esquizoide em um passado de pobreza, de miséria humana, que teria moldado seu caráter. Ou a falta dele, enfim....
Talvez isso seja um artifício mental do narrador para tentar explicar o inexplicável, para que ele mesmo, inconscientemente, se perdoe por tolerar as “travessuras” da niña mala, tentando demover o leitor de qualquer antipatia com aquela a quem chama de pobrecita, podendo, inclusive, induzir alguém a correr o risco de tentar resumir o enredo na narrativa em “obsessão autodestrutiva por um amor impossível”, questionando qual seria o trágico fim da personagem, já que a relação com Lily (ou com qualquer uma das outras) está sempre fadada a ser interrompida por ela a qualquer momento.
Diria que as coisas não são tão simples assim...
Ainda que Ricardito quase venha a se matar, tomado pelo desespero produzido pelo sempre iminente abandono, no final das contas, é sua vida regrada, comedida e sem grandes aventuras que acaba perdurando, em oposição às escolhas de Lily , que acabaram, de certa forma, a levando à sua condenação. O próprio Ricardo já antevê os resultados ao analisar os excessos e o desprendimento da vida desregrada da amada: 
La ingenua creía que esas aventuras de contrabandista y traficante, jugarse la libertad en los viajes africanos, condimentaban la vida, la hacían más suculentas y divertida. Me acordaba de sus palavras: 'Haciendo estas cosas, vivo más'.Bueno, quien juega con fuego tarde o temprano termina por chamuscarse.
 E a ideia de que o fim trágico parecia ser o desfecho esperado à irracionalidade do amor(sim, o amor é irracional, nós é que tendemos a racionalizá-lo em demasia e por isso os finais são mais ou menos felizes), dá lugar a um curioso contraste entre pessoas de naturezas tão distintas. Convém ressaltar que a postura de Ricardito sempre foi a de espectador  diante dos mais diferentes fatos (revolução Cubana, movimento da contracultura, crise política no Peru,etc.) e essa conduta apenas se altera quando a amada surge e resurge, como vento que atiça as chamas de uma fogueira.Ela o impulsiona, movimenta, tornando-o efetivo partícipe da sua própria vida que ele parece apenas "deixar passar" , concretizando seu objetivo: "morirme de viejo en París".
E vidinha, a priori medíocre e simples, vivida por ele parece ganhar significado contraposta ao vai e vem errante da peruanita, que concede, ao seu modo, ao solitário Ricardo um pouco de amor. Amor?
Não, certamente alguém dirá que não se trata de amor.
Mas esqueça o idealizado amor platônico, o amor sublime, os clichês românticos, os contos de fadas, a ilusão de que é o amor a panaceia de todos os males.
Aquele que já amou de verdade bem sabe que o amor não é feito apenas de suspiros e bater de pestanas. Não é só belo, inspirador e deleitoso. Ele também pode ser difícil, doloroso, tenso, cruel, manipulador, sujo e...Malvado. Ou você realmente acreditava que era apenas obra do acaso ou da língua “amor” rimar com “dor”? Peço desculpas se minha meia dúzia de palavras venha a destruir os muros do lindo castelo nas nuvens de algum leitor mais “desavisado” (a propósito: papai-noel e coelhinho da páscoa também não existem...)mas nós bovinos não somos dados lá a muitas sutilezas.
Bem se sabe que o amor não tem um único formato, nem uma estrutura fixa. Alguns têm a sorte de se deparar com manifestações mais belas,serenas, profundas, outros, nem tanto.
E uma das coisas mais surpreendentes do amor é justamente conseguir esquecer, ainda que seja por uma única noite “the ten million things that make people think "I don't love this person, I don't like this person, I don't know this..."   e levar  a pensar que “Instead, it was perfect and they were perfect and that's all there was to know about them”.
E assim, Ricardo e Lily, entre uma travessura e outra, foram perfeitos. E foi esse o pensamento recorrente de Ricardito durante 40 anos. E se isso, na minha humilde e bovina opinião, não puder também ser chamado de amor, recomendo voltar a acreditar no Papai-Noel e no Coelhinho da Páscoa, pois para isso, basta ser um niño bueno. Já para amar, só isso não é suficiente. Afinal, você pode, como Ricardito, vir a precisar de uma niña mala. Ou, quem sabe, só de algumas doces, sedutoras e desconcertantes travessuras...


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